quarta-feira, 2 de maio de 2012

'São cruéis comigo e com os gatos', diz dona de 50 bichos; assista

A Rai sem os gatos não é a Rai, não existiria. Se chego aqui e eles não estão pela casa, morro, sei lá, dá uma coisa ruim só de pensar. Faz 14 anos que cuido de gato. Cheguei a ter cem, mas essa era uma outra época, tempos de uma Rai que mais gostava do que entendia, sabe?

Eu não sabia que tinha que castrar os gatos, mas, também, era tão caro e tão mais difícil naquela época.
Teve uma época que eu tinha 40 adultos e todos iam entrando no cio seguidamente. Cheguei a ter 52 filhotes de uma vez. Era triste, muito filhote ao mesmo tempo, não tinha espaço, não tinha como, muitos morriam.


Eu era mais egoísta naquele tempo, não queria que eles fossem embora, pensava 'onde come um, come dez'. Pensava que comida não ia faltar, pelo menos teriam um teto e o meu amor, minha atenção.

Hoje, se você vier dizendo que quer um dos gatos e for uma pessoa boa, com melhores condições que eu de cuidar, eu dou qualquer um deles pra você. Não dou a Laila ou o Olim, que estão comigo há mais de 12 anos, mas se você quiser a Cleo, que está há quatro meses, dou pra você.

O problema é que quando você já tem um tempo nisso de criar gato você fica com dificuldade para acreditar no que as pessoas dizem. Falam uma coisa e depois fazem outra. Não é como gato. Gato você sabe que pode te morder, arranhar, mas você conhece.
Maria Raimunda dos Santos, 36, em sua casa, em Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo
Gabo Morales/Folhapress

Depois que eu fui conhecer o Sérgio, um veterinário que é meu anjo da guarda. Na época eu não tinha nenhuma castrada. Ele castrou mais de 26 gatas minhas.
Até hoje quando tem castração em aula, que eu não sei bem o que é, como funciona, mas é uma coisa que eles fazem na faculdade, eles me ligam e eu sempre levo.

Não sei bem quantos gatos eu tenho, pra falar a verdade, mas acho que são 33 adultos, sete filhotes e mais cinco filhotes que chegaram hoje. Tenho também três cachorros em casa e mais uns sete ou oito que cuido na rua. Às vezes passo dois meses sem nenhum gato novo, mas é raro porque vejo na rua e dá pena de não pegar e também porque as pessoas jogam muito gato aqui. Empurram a ripa de madeira da janela e jogam. Nos últimos três meses jogaram mais de 40 gatos aqui. Daí vou cuidando, doando também, quando dá.

Queria que as pessoas parassem de jogar gato aqui dentro, mas elas nunca param. Queria não me importar.

Eu brinco que eu banco os gatos e a minha mãe me banca nessa questão de comida. Primeiro, porque não dá para cozinhar aqui. No máximo tomo um café, como um miojo, mas comida mesmo não dá porque eles avançam em cima. Não dá para sentar na cama ou no chão e comer de verdade. Aqui eu só cozinho a comida dos cachorros porque eles não gostam de ração, então, eu cozinho fígado e misturo na ração deles.

Outra coisa é que não sobra dinheiro. Ganho R$ 770, fica uns R$ 630 com os descontos, mas gasto mais que isso em ração, então, vou negociando com o rapaz da casa de ração e sempre pago um pedaço no mês seguinte.

Às vezes chego aqui, olho para eles, para a casa e penso que trabalhei o mês inteiro e mal tenho dinheiro para comprar ração. A última vez que fui ao cinema, assim, eu pagando, foi em novembro, para ver "Amanhecer" porque gosto muito da série "Crepúsculo".

Nunca sobra dinheiro. Queria poder dar uma vida decente para eles, sabe. Queria que não ficassem doentes por causa da minha casa. Quando você coloca muitos em um espaço pequeno desses eles desenvolvem fungo, rinotraqueíte.

Queria muito que circulasse mais ar aqui dentro, então, peguei a marreta e quebrei a parede, coloquei grade. Improvisei uma janela e duas passagens para eles poderem entrar e sair do quintal. Queria ter condições de cimentar o quintal deles.

Na semana passada, a Laila, que está comigo há 13 anos, teve que fazer uma cirurgia. Olhei para ela no dia do raio-X e foi tão triste porque prometi uma vida legal pra ela, casa boa, ração boa e não fiz nada disso.

Eu queria chegar em casa um dia e saber que tem ração para todo mundo, sem precisar de ajuda de ninguém. Queria ser capaz de fazer isso sozinha, juro que eu tento. Já fiquei em dois empregos para ver se melhorava, vendo Avon, Natura, mas não adianta, eles sempre são mais do que eu posso manter.

Aqui tudo tem prazo de validade específico. O fogão dura sete meses, depois disso vai despedaçando pelo xixi dos gatos e porque tenho que lavar a casa muitas vezes por dia.

As pessoas são muito cruéis. Comigo e com os gatos. Já tive chefe que jogou "Bom Ar" em mim porque disse que eu fedia a gato, já tive o motorista do fretado que me disse pra eu me retirar do ônibus porque meu cheiro incomodava e daí eu não pude mais ir pro serviço de fretado.

De namorado eu nem falo. Tive três em 14 anos. O último faz cinco anos. Nossa, cinco anos. Foi a última vez que beijei na boca. Quando conheço alguém, é só eu falar que tenho muito gato que é como se criasse uma barreira, então, já falo logo, pra testar. Até hoje não conheci ninguém mais teimoso do que eu. No dia que eu conhecer, talvez eu tenha alguém, mas também não é algo que me faça falta. Sinto muito mais falta de beber um copo de Coca-Cola e dormir com meus gatos do que de beijar na boca.

Meu maior medo é que alguém venha um dia na minha casa e pense que em vez de ajudar eu estou atrapalhando eles, que tirem eles de mim.

Quando eu abri mão dos meus gatos, que eu fiquei só com 25 gatos, foi difícil. Eu sentei aqui e chorei até não ter mais nada dentro de mim. Porque foram tantas camas, tantos colchões que eu tive que jogar fora, tanto trabalho e no final não adiantou de nada. No fim eles tiveram que ir embora porque eu não tinha condição de cuidar deles.

Isso já vai dar um ano, que vieram umas ONGs e levaram os gatos mais fáceis de adotar. Depois vieram e levaram os que precisavam de ajuda médica e eu não tinha como dar. Levaram quase 70 gatos meus. Dois deles estavam comigo já ia dar mais de dez anos e eu pensei que eles iam voltar, sabe? Mas depois as moças da ONG não quiseram me dar eles de volta. Eu entendi que eles estavam num lugar melhor, com mais condições financeiras, mas dói, sabe?

Fonte:
1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude
Link:

Nenhum comentário:

Postar um comentário